Arquivo: Março 2008

O tempo, subitamente solto pelas ruas e pelos dias, como a onda de uma tempestade a arrastar o mundo, mostra-me o quanto te amei antes de te conhecer. Eram os teus olhos, labirintos de água, terra, fogo, ar, que eu amava quando imaginava que amava. Era a tua, a tua voz que dizia as palavras da vida. Era o teu rosto. Era a tua pele. Antes de te conhecer, existias nas árvores e nos montes e nas nuvens que olhava ao fim da tarde. Muito longe de mim, dentro de mim, eras tu a claridade.

José Luís Peixoto

Ela diz-lhe que venha. Venha. Diz que é um veludo, uma vertigem, mas também que não se deve acreditar, um deserto, uma coisa malfazeja que também leva ao crime e à loucura. Pede-lhe que venha ver isso, que é uma coisa infecta, criminosa, uma água turva, suja, a água do sangue, que um dia ele terá de o fazer, mesmo só uma vez, vasculhar naquele lugar comum, não vai conseguir evitar isso a vida inteira. Mais tarde ou esta noite, qual a diferença?

Marguerite Duras
Les yeux bleus, cheveux noirs

tenho medo, medo de voltar a escrever incessantemente e rasgar tudo o que escrevo. medo, medo de ouvir aquilo que não se ouve a não ser quando escrevo, como se o corpo todo estremecesse pela última vez.

al berto