Há muito que não escrevo. Chegou finalmente uma paz que há muitos anos não sentia 26 Abril
Álcool ao ponto de me esquecer quem sou. 17 de Maio
A vida corre com os olhos postos no futuro. É a primeira vez que se passa isto – ser carregada pela esperança do que virá ao invés da dor do que passou. 23 Junho
Tanta coisa se passará nos próximos meses que rebento de ansiedade. 7 de Julho
Momentos há em que desistir é a única vontade. 21 de Julho
O som do mar é imenso. Não o consigo ver desta varanda, mas adivinha-se o seu movimento pelo barulho que chega. Ouvem-se grilos e milhares de pequenos sons de outros animais dos quais desconheço os nomes. 6 de Agosto
E depois há a solidão dentro da solidão.
Como as bonecas russas, no fundo da solidão nasce outra, mais profunda. 11 de Agosto
É a manhã do dia seguinte que custa. Abrir os olhos e a sensação de felicidade do dia anterior ter desaparecido. Subitamente voltámos a estar sós. 23 de Agosto
Esta urgência em que o amor aconteça. 24 de Agosto
Como foi possível teres-me deixado aqui?
Nunca mais é demasiado tempo. É humanamente incompreensível que nunca mais possa vir a conversar contigo. 25 de Agosto
Leio o teu diário. As tuas palavras trazem imagens, relâmpagos de segundo em que volto a estar sentada na tua cama, tu ao meu lado. Oiço a tua voz. É um brevíssimo momento em que sustenho a respiração como que para a reter. Ao voltar a inspirar a voz desaparece e estou novamente no escritório, a ler as tuas palavras num computador, numa solidão tão profunda que assemelha-se a um transe – uma leveza de cinzas. 26 de Agosto
Chegar ao centro de Tirana e sentir as pernas falharem-me. Chorar. Estou aqui. Estou aqui. E sinto-me em casa. 4 de Setembro
Percorrer as ruas de Tirana a caminho da minha antiga casa. Reconhecer aqui e ali pequenas coisas.
Chegar ao fim da rua, abrir o portão. Suster a respiração. Ali estava. A minha casa. Como uma ruína. O meu jardim, a mesma árvore frente à janela. A casa está abandonada como se ninguém depois de mim ali tivesse estado. Abro a porta. Estou dentro de casa. Igual, as escadas para o meu quarto. O meu quarto.
Poderia toda a vida procurar palavras para explicar a sensação e não conseguiria. Transbordo-me. Nunca me encontrei tão sem palavras. Sair de mim e encontrar-me no centro de mim. Regressar. 4 de Setembro
Quero ficar. Esquecer-me de Lisboa por uns tempos. 5 de Setembro
Acreditava que esta viagem me traria paz.
Regresso a lisboa com esta sensação de já não pertencer aqui.
Dói este sentimento de não pertencer a lisboa. Dói-me outra vez acordar nesta cidade. 20 de Setembro
Reapreender a andar na cidade, permitir que Lisboa me guarde. 22 de Setembro
Noite após noite acordar com medo, não reconhecer a minha casa. 27 de Setembro
Regresso às margens da água, depois de um mergulho tão fundo, tão escuro. 6 de Outubro
Quantos lutos somos capazes de suportar numa vida? Quantas vezes morremos ao longo dos anos? 21 de Dezembro
Haverá dia mais triste que o dia de Natal? 25 de Dezembro