fragmentos do diário XXV – breves de 2016

Há muito que não escrevo. Chegou finalmente uma paz que há muitos anos não sentia 26 Abril

Álcool ao ponto de me esquecer quem sou. 17 de Maio

A vida corre com os olhos postos no futuro. É a primeira vez que se passa isto – ser carregada pela esperança do que virá ao invés da dor do que passou. 23 Junho

Tanta coisa se passará nos próximos meses que rebento de ansiedade. 7 de Julho

Momentos há em que desistir é a única vontade. 21 de Julho

O som do mar é imenso. Não o consigo ver desta varanda, mas adivinha-se o seu movimento pelo barulho que chega. Ouvem-se grilos e milhares de pequenos sons de outros animais dos quais desconheço os nomes. 6 de Agosto

E depois há a solidão dentro da solidão.
Como as bonecas russas, no fundo da solidão nasce outra, mais profunda.  11 de Agosto

É a manhã do dia seguinte que custa. Abrir os olhos e a sensação de felicidade do dia anterior ter desaparecido. Subitamente voltámos a estar sós. 23 de Agosto

Esta urgência em que o amor aconteça. 24 de Agosto

Como foi possível teres-me deixado aqui?
Nunca mais é demasiado tempo. É humanamente incompreensível que nunca mais possa vir a conversar contigo. 25 de Agosto

Leio o teu diário. As tuas palavras trazem imagens, relâmpagos de segundo em que volto a estar sentada na tua cama, tu ao meu lado. Oiço a tua voz. É um brevíssimo momento em que sustenho a respiração como que para a reter. Ao voltar a inspirar a voz desaparece e estou novamente no escritório, a ler as tuas palavras num computador, numa solidão tão profunda que assemelha-se a um transe – uma leveza de cinzas. 26 de Agosto

Chegar ao centro de Tirana e sentir as pernas falharem-me. Chorar. Estou aqui. Estou aqui. E sinto-me  em casa. 4 de Setembro

Percorrer as ruas de Tirana a caminho da minha antiga casa. Reconhecer aqui e ali pequenas coisas.
Chegar ao fim da rua, abrir o portão. Suster a respiração. Ali estava. A minha casa. Como uma ruína. O meu jardim, a mesma árvore frente à janela. A casa está abandonada como se ninguém depois de mim ali tivesse estado. Abro a porta. Estou dentro de casa. Igual, as escadas para o meu quarto. O meu quarto.
Poderia toda a vida procurar palavras para explicar a sensação e não conseguiria. Transbordo-me. Nunca me encontrei tão sem palavras. Sair de mim e encontrar-me no centro de mim. Regressar. 4 de Setembro

Quero ficar. Esquecer-me de Lisboa por uns tempos.  5 de Setembro

Acreditava que esta viagem me traria paz.
Regresso a lisboa com esta sensação de já não pertencer aqui.
Dói este sentimento de não pertencer a lisboa. Dói-me outra vez acordar nesta cidade. 20 de Setembro

Reapreender a andar na cidade, permitir que Lisboa me guarde. 22 de Setembro

Noite após noite acordar com medo, não reconhecer a minha casa. 27 de Setembro

Regresso às margens da água, depois de um mergulho tão fundo, tão escuro. 6 de Outubro

Quantos lutos somos capazes de suportar numa vida? Quantas vezes morremos ao longo dos anos? 21 de Dezembro

Haverá dia mais triste que o dia de Natal? 25 de Dezembro

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