Apaixono-me facilmente no início da Primavera. Posso dizer que se trata de um estado de espírito. Acontece independentemente dos outros. Acontece de dentro para fora. Eu sou a origem da paixão. Eu e a Primavera.
Atribuo o amor.
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fragmentos do diário XXVII – breves de 2018
afinal, há ainda lugares secretos em lisboa. e viagens que se fazem pela madrugada. 6 janeiro
a noite cumpre o seu papel e faz-me esquecer. mas as ressacas são fortíssimas, dores de cabeça que não passam nem depois de uma mão cheia de comprimidos.
não sei beber moderadamente. não me basta um copo, não me basta um corpo. procurar encher o vazio com o vazio dos outros. felicidades artificiais.
doses pequenas não me fazem sentir. a melancolia é um vício e só o excesso me provoca alguma sensação sobre a pele.
mas uma planta artificial pode ainda decorar uma sala. e já as fazem tão parecidas com as verdadeiras. 8 Janeiro
um porto seguro para chorar, é isto que preciso. que alguém me agarre e me deixe ficar ali, sem perguntar nada, sem pedir nada. 10 Janeiro
acredito que voltará à cidade e que voltará a mim. 14 Janeiro
Abri o diário e percebi que o que ia escrever, escrevi-o ontem – ninguém é ela e eu preciso dela. 18 Fevereiro
todos os domingos carregam domingos. é por isto que os domingos têm este peso, os movimentos lentos e dolorosos. o peso dos domingos pode ser medido no balança, como um coração tirado de um corpo. 15 Abril
É domingo. E é dia da mãe. Quão mau pode ser um dia? 6 Maio
No final da vida, quando já quase todos tiverem desaparecido, teremos nós espaço para pensar em alguma coisa que ainda exista? Ou iremos encher as horas a pensar em todos os que morreram? 6 Maio
tudo o que escrevo é uma repetição porque tudo o que sinto é uma repetição.
os dias, uns iguais aos outros, preenchidos de um silêncio que rasga por dentro. 13 Maio
Demorei algum tempo a beijá-la. Parecia-me excessivamente nova. Eu estava inebriada pela beleza dela, pela sexualidade dela que tanto lembrava a Lolita de Nabokov.
Na rua, encostava-se às paredes do Bairro Alto e dizia, passando a língua pelos lábios, “so, do you wanna kiss me?”. 24 Junho
Preciso sempre de mais. Se ela não me escreve, julgo que me esqueceu. Não sei lidar com paixões silenciosas. 25 Junho
Dizem que o período de luto são dois anos. Não são. É a vida toda. 27 Junho
com o tempo fui-me apercebendo que o estado mais próximo da felicidade é o do aborrecimento total.
já se sabe que o êxtase – esses momentos incendiados em que todos os sentidos vivem numa espécie de transe – dura apenas breves instantes. nem o corpo aguentaria outra coisa, precisamos de acalmar a arritmia para voltar a respirar fundo, e respirar quebra a felicidade.
porque buscamos toda a vida por algo que dura não mais que um momento? a felicidade, se continuada, será também uma rotina? e o nosso horror à rotina turva-nos a visão? leva-nos à procura da felicidade seguinte?
daqui se depreende que só a tristeza nos renova todos os dias? só a tristeza nos mantém a salvo da rotina?
que seres tão estúpidos somos nós. 30 Junho
Esta terra parece abandonada, tudo está deserto, ouve-se o mar onde quer que estejas e o som das gaivotas parecem gritos de guerra. Podia escrever todo o dia, enquanto olho as ondas enormes que rebentam aos meus pés. Poderia existir uma vida longe de tudo onde fossemos mais felizes? Bastar-me-ia o mar? Levar-me-ia a solidão à loucura? Ou a minha solidão salvar-me-ia da loucura? 18 Setembro
É Natal em toda a cidade. Quanto mais me desejam boas festas, mais enjoada fico. 21 Dezembro
um bebé com pouco mais de um ano carrega feliz uma garrafa de litro e meio de água. a certa altura, deita-a violentamente para o chão e rebenta num terrível choro. a garrafa vai rolando pela avenida ele segue-a com o olhar, chora ainda mais.
não havendo ninguém que atendesse à sua dor, apressa-se e apanha a garrafa com as duas mãos. corre para a mãe a rir.
podia a vida ser tão simples de agarrar?
ou seremos nós a garrafa de água? 28 Dezembro
e falar-te-ia dos dias sem ti, de como é morte é infinitamente mais insuportável do que aquilo que dizem. e de como agosto voltou sempre, ano após ano.
viverás ainda em lisboa? poderá esta cidade guardar-te? poderá guardar todos os que nela, um dia, existiram?
fragmentos do diário XXVI – breves de 2017
“o novo ano começa com o presságio de um amor”. esta era a frase a escrever, há dias atrás. não a escrevi porque a certeza da dor é tão absoluta e aterroriza-me de tal forma que mais vale não deixar mais um registo de uma desilusão escrito. 6 Janeiro
Sinto-me pequena e frágil perante as suas demonstrações de ternura. 9 Janeiro
O que me espera nas próximas horas? Que início de amor? Que amor?
A felicidade que sinto só é equiparada ao medo que sinto.
Preciso de quebrar o ciclo. Preciso de um amor passível de ser vivido. 11 Janeiro
Ocupo o lugar 14D do avião e reparo que não existe lugar 13. Portanto, à prova de azares. 11 Janeiro
Um mergulho em maré alta, chegar ao fundo, abrir os olhos e as águas serem transparentes, como os dias mais claros. 12 Janeiro
Pesadelos todas as noites. Acordo com imagens terríveis que me acompanham nos dias que se seguem. 23 Janeiro
O peso dos anos sobre o corpo. Tudo me dói e me esmaga e desejo voltar a dormir num profundo sono despovoado de imagens. 3 Fevereiro
Sonho com os olhos verdes dela – uma tempestade. 17 Fevereiro
E hoje é domingo. Destes domingos que chegam aos ossos. 19 Março
Passaram quase 30 anos. Somos adultos agora. Muito mais adultos do que julgávamos ser possível quando brincávamos às escondidas pela casa dela.
E talvez só eu guarde estas memórias. Como uma dádiva ou maldição. Certamente estarão todos felizes por se encontrarem enquanto que eu trago todos estes fantasmas, permito que se sentem à mesa connosco. 24 Março
Silêncio. Sempre tanto silêncio. 25 Março
Pego no telemóvel para começar a escrever e percebo as saudades que tenho de um papel e uma caneta. 2 Maio
Farias anos hoje. Dir-me-ias, “estou acabado”. Eu chamar-te-ia de parvo, dir-te-ia que ainda bem que cá estás, que estás perto de mim, que irias morrer muito tarde, de velhice. Tu inclinarias a cabeça, olhando para mim e sorrindo, sabendo que eu te percebo mas feliz pela minha crença quase infantil na tua imortalidade. 2 Maio
Caminhar pela cidade, respirar a cidade. É ainda isto que me devolve.
Depois de uma hora nestas ruas, a arritmia acalmou. 22 Maio
Tem acontecido isto, relações em que as pessoas não se dão mas dizem amar-me como nunca amaram. De que serve o amor pelo amor? Diria mesmo, o amor desprovido de amor. 1 Junho
Que bem me serviria uma vida sem trabalho! Poder passar as tardes num café a ler, a escrever. 2 Junho
Não me tinha apercebido quão triste estava até reparar que o sol há muito já se tinha posto e que estava sentada na sala às escuras. 19 Junho
Ela diz-me que comprou a passagem. que chega dia 18. E eu sinto que me deram um nó por dentro, que deixei de conseguir respirar fundo. É como aquelas velas de aniversário que depois de soprarmos se voltam a acender. Como um vírus que surge cada vez que o sistema imunitário está comprometido e nos ataca por dentro. 25 Junho
Tão farta de pessoas. Afastam-se quando me aproximo, aproximam-se quando me afasto. Alguém sabe o que quer? 28 Junho
Ceder ao que sinto por ela. Seria um vendaval. 1 Julho
Aniversário. Há mais mortos que vivos ao redor desta mesa. Que dia horrível, horrível, horrível. Porque raio se festeja um dia destes? 3 Julho
Leio a poesia de Bukowski – Love is a Dog from Hell – e é esta poesia que melhor me serve. Não há palavras caras, romantismos desnecessários, há sexo e solidão, e solidão depois sexo e uma espera de que ninguém fala. 6 Julho
É estranho como nada me completa e ao mesmo tempo a companhia faz-me sentir ainda mais incompleta. 9 Julho
Momento há em que não quero apaixonar-me por ninguém, não quero sair desta zona de conforto que a solidão se tornou. 9 Julho
Vou buscar os diários de al berto. Abro sempre numa página ao calhas e de todas as vezes tenho de suster a respiração. Forma-se um nó na garganta que dói. 11 Julho
Domingos intermináveis. A solidão é cada vez maior. Ninguém aparece e o telefone não toca.
Em três meses fará um ano que não vejo a mãe. A voz dela começa a desaparecer, como sempre desaparecem as vozes dos mortos.
Continuar viva é isto, suportar a dor, estar no absoluto limite da tristeza. 16 Julho
Com ela relembro-me como pode ser perfeita uma relação. Passeamos e conversamos e rimos e eu sinto-me mais inteira. 20 Julho
Que me deem tudo, ou que fiquem longe de mim. 21 Julho
Quando me sento nas esplanadas da avenida e o fado se começa a ouvir, tudo volta a estar bem. Sou de lisboa.
Se ao menos conseguisse passar para a escrita esta luz, como o vento faz estremecer as árvores e provoca as sombras interrompidas pelo sol. 29 Julho
Um desejo que me deixa doente – de algo tão simples como tocá-la na mão. 2 Agosto
Ela empurra-me para a escrita, para os livros, para o cinema. Coloca-me no centro de mim, faz-me sentir coisas como se fosse a primeira vez. e eu caio, sem rede, pelo olhar dela adentro. 2 Agosto
Mas há sempre o dia seguinte. 3 Agosto
E agosto hoje voltou a ser agosto. este mês lentíssimo, em que as ruas cheiram a morte e nenhuma voz virá salvar-me.
Se ao menos Lisboa esvaziasse de repente e eu pudesse nela caminhar. Sem nenhuma voz, sem nenhum rosto.
Que me seja devolvida esta cidade. 10 Agosto
A única forma de atingir a felicidade é o amor. Tudo o resto que queiramos inventar para lá chegar são actos desesperados de dar sentido à vida. 13 Agosto
Espero o metro na estação da avenida. Olho para as pessoas em volta e penso que um dia deixarei de cá estar, todas estas pessoas deixarão de cá estar. Estes carris sobreviver-nos-ão. 14 Agosto
Sozinha na praia. Faz-me bem este tempo de solidão, já que a solidão é tão profunda ao menos que as vozes se calem também. 18 Agosto
Costumava adorar regressar a Lisboa depois das férias, a beleza desta cidade era ainda mais evidente depois de uma ausência. Agora, olho para a avenida, para as sombras das árvores das quais ainda há uns dias falava e é como se a beleza não entrasse em mim. Estou fechada do lado de fora da beleza. 24 Agosto
Fico a imaginar que ela vai regressar de viagem e tudo voltará a ser como era. Mas ela regressará à cidade, não a mim. 25 Agosto
Acordavas hoje pela última vez. Haverá algum presságio do fim? Terás tu sentido que era a última manhã? Tudo tão breve, a vida passa a correr. De repente temos quarenta anos, de repente deixamos de cá estar. Que sentido faz tudo isto? Que sentido faz procurar um sentido? 28 Agosto
Ela é o início e o fim do meu desejo. 31 Agosto
Não salvei ninguém. Toda a vida a tentar. Nada, ninguém. Não salvei ninguém.
O vazio que resta é dantesco. Como se o corpo estivesse esburacado por tiros. 7 Setembro
Há muito tempo que tenho noção disto em mim, deste pavor à ternura, deste medo do amor desprovido de violência, do amor simples, sem fugas. E entristece-me e pergunto-me se voltarei a amar tranquilamente. 21 Setembro
Talvez o tempo do desejo tenha acabado. Talvez o corpo se tenha gasto por excesso de uso. 27 Setembro
sábados que expõem a solidão
sábados em que o sol fica fechado fora de casa
sábados que são domingos
estes dias intermináveis. 7 Outubro
Há uma sensação de orfandade neste vazio. Perdi o que me ligava à terra, as raízes desapareceram. 16 Outubro
Trabalho até de madrugada, trabalho aos fins-de-semana, aos feriados. Não deixo que a solidão me apanhe. Escrevo pouco para não criar espaços onde o pensamento me leve para lugares escuros. Porque, a bem ver, tirando o trabalho toda a vida é um espaço escuro. 12 Novembro
Esta solidão leva-me à loucura. 23 Novembro
Seria melhor nada escrever durante este interminável dezembro. 19 Dezembro
Medo de escrever sobre a noite com ela. Medo que tudo desapareça no momento em que escrever. 23 Dezembro
E assim chega a noite de natal, este natal feito de ausências.
Temo que se começasse a chorar não houvesse como parar. 24 Dezembro
fragmentos do diário XXV – breves de 2016
Há muito que não escrevo. Chegou finalmente uma paz que há muitos anos não sentia 26 Abril
Álcool ao ponto de me esquecer quem sou. 17 de Maio
A vida corre com os olhos postos no futuro. É a primeira vez que se passa isto – ser carregada pela esperança do que virá ao invés da dor do que passou. 23 Junho
Tanta coisa se passará nos próximos meses que rebento de ansiedade. 7 de Julho
Momentos há em que desistir é a única vontade. 21 de Julho
O som do mar é imenso. Não o consigo ver desta varanda, mas adivinha-se o seu movimento pelo barulho que chega. Ouvem-se grilos e milhares de pequenos sons de outros animais dos quais desconheço os nomes. 6 de Agosto
E depois há a solidão dentro da solidão.
Como as bonecas russas, no fundo da solidão nasce outra, mais profunda. 11 de Agosto
É a manhã do dia seguinte que custa. Abrir os olhos e a sensação de felicidade do dia anterior ter desaparecido. Subitamente voltámos a estar sós. 23 de Agosto
Esta urgência em que o amor aconteça. 24 de Agosto
Como foi possível teres-me deixado aqui?
Nunca mais é demasiado tempo. É humanamente incompreensível que nunca mais possa vir a conversar contigo. 25 de Agosto
Leio o teu diário. As tuas palavras trazem imagens, relâmpagos de segundo em que volto a estar sentada na tua cama, tu ao meu lado. Oiço a tua voz. É um brevíssimo momento em que sustenho a respiração como que para a reter. Ao voltar a inspirar a voz desaparece e estou novamente no escritório, a ler as tuas palavras num computador, numa solidão tão profunda que assemelha-se a um transe – uma leveza de cinzas. 26 de Agosto
Chegar ao centro de Tirana e sentir as pernas falharem-me. Chorar. Estou aqui. Estou aqui. E sinto-me em casa. 4 de Setembro
Percorrer as ruas de Tirana a caminho da minha antiga casa. Reconhecer aqui e ali pequenas coisas.
Chegar ao fim da rua, abrir o portão. Suster a respiração. Ali estava. A minha casa. Como uma ruína. O meu jardim, a mesma árvore frente à janela. A casa está abandonada como se ninguém depois de mim ali tivesse estado. Abro a porta. Estou dentro de casa. Igual, as escadas para o meu quarto. O meu quarto.
Poderia toda a vida procurar palavras para explicar a sensação e não conseguiria. Transbordo-me. Nunca me encontrei tão sem palavras. Sair de mim e encontrar-me no centro de mim. Regressar. 4 de Setembro
Quero ficar. Esquecer-me de Lisboa por uns tempos. 5 de Setembro
Acreditava que esta viagem me traria paz.
Regresso a lisboa com esta sensação de já não pertencer aqui.
Dói este sentimento de não pertencer a lisboa. Dói-me outra vez acordar nesta cidade. 20 de Setembro
Reapreender a andar na cidade, permitir que Lisboa me guarde. 22 de Setembro
Noite após noite acordar com medo, não reconhecer a minha casa. 27 de Setembro
Regresso às margens da água, depois de um mergulho tão fundo, tão escuro. 6 de Outubro
Quantos lutos somos capazes de suportar numa vida? Quantas vezes morremos ao longo dos anos? 21 de Dezembro
Haverá dia mais triste que o dia de Natal? 25 de Dezembro
fragmentos do diário XXIV – breves de 2015
Não me dou porque não tenho o desejo de me dar? Ou não me dou porque dar-me seria permitir que ela me destruísse? 8 Janeiro
As defesas que construí são muros tão altos que não sei já onde me encontro. 10 Janeiro
Quando tudo em mim está calmo, não escrevo. Mas não escrever é como respirar mal. Se não escrevo, sinto que vivo à superfície das coisas. Quando a dor é intensa, escrevo ininterruptamente. estou no centro de mim. Daqui se depreende que preciso da dor para me sentir inteira. haverá alguma vez equilíbrio em mim? 13 Fevereiro
É difícil acreditar que em algum ponto do mundo hoje faça sol. Em lisboa chove, chove, chove. 17 Março
A vida está longe de ser o que sonhámos.
Que liberdade deliciosa a que temos quando somos adolescentes de imaginar que a vida pode ser perfeita. Os sonhos afiguram-se a momentos isolados no tempo, sem passado. Nos sonhos, não se contemplam os desastres. 2 Abril
A vida não é só o que fazemos dela. Porque precisamos dos outros para existir somos mais vulneráveis. 2 Abril
Depois de uma semana de um verão fora de tempo, voltou o inverno. Quando abri os olhos pensei que ainda não tinha amanhecido. Saí à rua e tudo estava muito quieto, deserto, só o barulho da chuva. 6 Abril
Vi duas comédias românticas seguidas e chorei repetidamente. Detesto comédias românticas. E detesto ainda mais chorar a ver comédias românticas. 20 Abril
Durmo mal, a noite inteira como uma alucinação, mexo-me sem parar. Não chego a acordar, é um estado de uma consciência alterada, sinto que cordas me prendem à cama. 28 Abril
Fui ter com ela já passava das duas da manhã. bastou-me olhar para ela para que tudo em mim se esvaziasse e se enchesse de amor. Apaixono-me por ela sempre que a vejo. Andámos por lisboa com álcool e drogas. Não conseguia sentir-me senão feliz. 3 Junho
Ela deixa-me numa total embriaguez dos sentidos. Os fragmentos de segundos em que me sentia finalmente em casa, o tempo não tinha passado, nada de mal tinha acontecido e o futuro seria com ela ao meu lado. Os fragmentos de segundos de dor insuportável, o desespero por ela não poder ficar, o desespero por ela não ficar nunca porque o amor não chega. 15 Junho
Cama sem desejo, cama por cama, cama “porque não?”. 24 Junho
É como se o verão tivesse acabado de repente. O meu corpo acompanha o movimento das estações e as sombras da cidade instalam-se em mim.
Fiquei subitamente muito triste, tão vazia como estavam as ruas durante a tarde. Sobre o tejo caía um nevoeiro tão denso que dir-se-ia que o rio não existia. 13 de Setembro
E as ressacas são cada vez mais penosas. Em tempos curaria a ressaca bebendo mais, fodendo com estranhos, dormindo o tempo todo que restava entre uma embriaguez e a outra.
Nada disso é suficiente agora. Tenho medo da idade a passar. Tenho medo de ficar sozinha 14 Setembro
Há tanto para escrever. Mas existem estes dias, em que toda a escrita é uma repetição. Como viver é por vezes uma peça que se repete no mesmo palco. 8 Outubro
Ela vai tocar à campainha a qualquer momento e eu sinto-me como uma adolescente que espera o namorado para a primeira saída a dois. 2 Novembro
Não amo. Não amo. Não amo. 7 Novembro
Não tenho escrito por não saber o que escrever. O que resta quando acaba o amor? Que palavras? 24 Novembro
Sentei-me na mesa da sala a comer qualquer coisa e ela dançava à minha frente, tentando que eu reagisse. Senti-me no filme Bitter Moon, do Polanski. Ali estava a mulher mais bonita do mundo, a dançar apenas para mim e a beleza dela já nada me provocava. Eu continuava a comer com indiferença e ela nem sequer percebia, continuava a insinuar-se com movimentos que se pareciam com os de uma marioneta que dança sem qualquer graciosidade, desconjuntada. 24 Novembro
Quanto pode custar atravessar um dia? 1 Dezembro
Tentar encontrar o sentido das coisas quando a vida é desprovida de amor. Existirá algum? 15 Dezembro
É outra vez o último dia do ano. Não consigo distinguir este do ano passado. Atravessei o inferno e cheguei a esta paz. E o que fazer com este deserto de emoções? 31 Dezembro
Se acreditasse em deus diria — que deus me proteja do amor.
A palavra espera cabe na palavra esperança. Quando acaba a esperança, que esperamos nós?
Por que vida esperamos quando na vida não temos esperança?
saberás que para lá do trigo
existe uma criança em fuga.
o verão devolve-te a memória,
junto ao berço a boneca de porcelana.
há uma casa vazia estendida
sobre os anos. já nada se festeja e
existimos ainda.
se ao menos Lisboa esvaziasse de repente e eu pudesse nela caminhar. sem nenhuma voz, sem nenhum rosto.