Arquivo: Outubro 2008

je vous écris d'un pays lointain

Escrevo-lhe do fim do mundo. É preciso que o saiba. Amiúde as árvores tremem. Apanham-se as folhas. Têm uma imensa quantidade de nervuras.

Mas de que servem? Não há mais nada entre elas e a árvore, e dispersamo-nos, incomodados.

Será que a vida na terra não poderia prosseguir sem vento? Ou será preciso que tudo trema sempre, sempre?

Há também tumultos subterrâneos, e dentro de casa, como raivas que surgissem à nossa frente, como seres severos que quisessem arrancar confissões.

Não se vê nada, como se importasse muito pouco ver. Nada, e todavia treme-se. Porquê?

henri michaux  | escrevo-lhe de um país distante

começar o dia assim: desenhando passos circulares na lama da azinhaga.
cães, cheiro a estrume, a solidão paga-se logo de manhã cedo, como uma chuva que nos fustiga…
estou desatento ao que se passa comigo. não consigo avançar uma linha, dormito mais do que escrevo. tenho a alma triste.

ao certo, que quererá isto dizer?

Al Berto |  O Medo

helena-almeida.jpg

fotografia de Helena Almeida

Oculto-me. Vivo uma segunda pele. Já não é possível chegar a mim pela superfície.

A afectividade causa-me pavor.

é noite ainda
o corpo ausente instala-se vagarosamente
envelheço com a nómada solidão das aves

já não possuo a brancura oculta das palavras
e nenhum lume irrompe para beberes

al berto