Arquivo: Julho 2017

O tempo. A mãe que era uma mulher jovem, o riso das crianças, a mesa cheia no dia de aniversário. O tempo arrasta-nos como as ondas levam o que está à beira mar. Nada que é levado volta a aparecer.

E como deixar de estar sentado na areia, a olhar o mar, à espera que ele nos devolva aquilo que tirou?

Ainda mais um poço dentro de uma caverna.
Outrora era-nos fácil extrair ídolos e adornos
para se alegrarem os amigos que nos permaneciam ainda fiéis.

As cordas romperam-se; apenas sulcos na boca do poço
nos lembram a nossa felicidade passada:
os dedos no murete, como dizia o poeta.
Os dedos sentem a frescura da pedra um pouco
e o calor do corpo conquista-a
e a caverna joga a sua alma e perde-a
a cada momento, cheia de silêncio, sem uma gota.

yorgos seferis

Tirana

esconde-te no campo de trigo
tens a sombra de todas árvores

liga desliga o telefone
até conseguires ouvir

a tua bicicleta de criança desapareceu
e ninguém sabe

vinte e três gatos cinzentos
estão na cave da tua casa

you sit on the couch
with me
tonight
new woman.

have you seen the
animal-eater
documentaries?

they show death.

and now I wonder
which animal of
us will eat the
other first
physically and
last
spiritually?

we consume animals
and then one of us
consumes the other,
my love.

meanwhile
I’d prefer you go
first the first way.

since if past performance
charts mean anything
I’ll surely go
first the last
way.

Bukowski

Olho constantemente para o mapa
mas já não me lembro para onde queria ir.
Podia ficar aqui,
enquanto a noite respira nas janelas embaciadas.
Os móveis apagam-me os passos
em ângulos cegos
e, nessas sombras do incerto,
deixo que o cansaço me tire a peruca da paciência
assim como a noite nos tira a roupa
antes de dormir.

Isolado num cantinho da boca entreaberta,
o teu sorriso
vai contribuindo para o genocídio dos camarões
que o vinho branco torna sempre menos sangrento.
Poderia, de facto, ficar aqui
enquanto desapareces, por fim, num sono sem importância.

Vou esvaziando os copos
e começo a compilar beijos,
como quem junta, à pressa, moedas caídas pelo chão:
somos todas putas, rapaz,
com ou sem vodka.

Golgona Anghel