Nunca consegui misturar-me nos outros corpos, estão demasiado vivos, doem-me quando lhes toco. Observo-os, uso-os, e no entanto mantêm-se tão distantes. Se calhar envelheci mais depressa ao tocá-los. A dor vai sulcando o rosto e comprimindo o coração, não sei… talvez seja apenas o receio da noite com os seus desmedidos poços de cinza. (…) No fundo estou-me nas tintas para isto tudo. Tornei-me ladrão. Roubo-lhes um beijo, uma erecção, um gemido de esperma, uma carícia… roubou-lhes tudo o que posso e estou-me nas tintas… é isso mesmo, estou-me nas tintas para o que pensam. Nada tenho a perder, a sedução é uma das artes do ladrão, raramente me deixo roubar. Mas que te importa tudo isto, Beno? Sossega, sossega porque o mundo está sujo de indiferença.

al berto | lunário

One thought on “

  1. rogério

    “raramente me deixo roubar”: é aqui que reside a sua dor. Ele rouba o prazer dos outros mas não é roubado/arrebatado do seu. Está fechado ao amor dos outros. Por medo? “Medo” é, de resto, o título geral da sua obra- Por isso está “sujo de indiferença”. É uma bela escolha este excerto de al berto. Parabéns, “meninas de rua”.

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