Não me dou porque não tenho o desejo de me dar? Ou não me dou porque dar-me seria permitir que ela me destruísse? 8 Janeiro
As defesas que construí são muros tão altos que não sei já onde me encontro. 10 Janeiro
Quando tudo em mim está calmo, não escrevo. Mas não escrever é como respirar mal. Se não escrevo, sinto que vivo à superfície das coisas. Quando a dor é intensa, escrevo ininterruptamente. estou no centro de mim. Daqui se depreende que preciso da dor para me sentir inteira. haverá alguma vez equilíbrio em mim? 13 Fevereiro
É difícil acreditar que em algum ponto do mundo hoje faça sol. Em lisboa chove, chove, chove. 17 Março
A vida está longe de ser o que sonhámos.
Que liberdade deliciosa a que temos quando somos adolescentes de imaginar que a vida pode ser perfeita. Os sonhos afiguram-se a momentos isolados no tempo, sem passado. Nos sonhos, não se contemplam os desastres. 2 Abril
A vida não é só o que fazemos dela. Porque precisamos dos outros para existir somos mais vulneráveis. 2 Abril
Depois de uma semana de um verão fora de tempo, voltou o inverno. Quando abri os olhos pensei que ainda não tinha amanhecido. Saí à rua e tudo estava muito quieto, deserto, só o barulho da chuva. 6 Abril
Vi duas comédias românticas seguidas e chorei repetidamente. Detesto comédias românticas. E detesto ainda mais chorar a ver comédias românticas. 20 Abril
Durmo mal, a noite inteira como uma alucinação, mexo-me sem parar. Não chego a acordar, é um estado de uma consciência alterada, sinto que cordas me prendem à cama. 28 Abril
Fui ter com ela já passava das duas da manhã. bastou-me olhar para ela para que tudo em mim se esvaziasse e se enchesse de amor. Apaixono-me por ela sempre que a vejo. Andámos por lisboa com álcool e drogas. Não conseguia sentir-me senão feliz. 3 Junho
Ela deixa-me numa total embriaguez dos sentidos. Os fragmentos de segundos em que me sentia finalmente em casa, o tempo não tinha passado, nada de mal tinha acontecido e o futuro seria com ela ao meu lado. Os fragmentos de segundos de dor insuportável, o desespero por ela não poder ficar, o desespero por ela não ficar nunca porque o amor não chega. 15 Junho
Cama sem desejo, cama por cama, cama “porque não?”. 24 Junho
É como se o verão tivesse acabado de repente. O meu corpo acompanha o movimento das estações e as sombras da cidade instalam-se em mim.
Fiquei subitamente muito triste, tão vazia como estavam as ruas durante a tarde. Sobre o tejo caía um nevoeiro tão denso que dir-se-ia que o rio não existia. 13 de Setembro
E as ressacas são cada vez mais penosas. Em tempos curaria a ressaca bebendo mais, fodendo com estranhos, dormindo o tempo todo que restava entre uma embriaguez e a outra.
Nada disso é suficiente agora. Tenho medo da idade a passar. Tenho medo de ficar sozinha 14 Setembro
Há tanto para escrever. Mas existem estes dias, em que toda a escrita é uma repetição. Como viver é por vezes uma peça que se repete no mesmo palco. 8 Outubro
Ela vai tocar à campainha a qualquer momento e eu sinto-me como uma adolescente que espera o namorado para a primeira saída a dois. 2 Novembro
Não amo. Não amo. Não amo. 7 Novembro
Não tenho escrito por não saber o que escrever. O que resta quando acaba o amor? Que palavras? 24 Novembro
Sentei-me na mesa da sala a comer qualquer coisa e ela dançava à minha frente, tentando que eu reagisse. Senti-me no filme Bitter Moon, do Polanski. Ali estava a mulher mais bonita do mundo, a dançar apenas para mim e a beleza dela já nada me provocava. Eu continuava a comer com indiferença e ela nem sequer percebia, continuava a insinuar-se com movimentos que se pareciam com os de uma marioneta que dança sem qualquer graciosidade, desconjuntada. 24 Novembro
Quanto pode custar atravessar um dia? 1 Dezembro
Tentar encontrar o sentido das coisas quando a vida é desprovida de amor. Existirá algum? 15 Dezembro
É outra vez o último dia do ano. Não consigo distinguir este do ano passado. Atravessei o inferno e cheguei a esta paz. E o que fazer com este deserto de emoções? 31 Dezembro
Haverá algo mais audaz e puro que este diário? Desejo ao mundo todo um segundo disto.
E depois há a esperança .