Ainda hoje me espanto com o que aguento lembrar.
Rafael Alberti
Ainda hoje me espanto com o que aguento lembrar.
Rafael Alberti
são sempre onze da noite aqui.
as avenidas estão desertas e a cidade
move-se vagarosamente.
existe a memória da pele.
e o frio.
e percebi que na palavra fim não
cabem todas as feridas.
Al Berto
já era altura deste outono se tornar cinzento,
também.
percorrias a distância do mar por mim, dizes.
mas fez-se tarde.
entre o meu corpo e o teu estende-se
a memória do gesto que faltou.
os sucessivos enganos do corpo
ceifaram os campos de trigo da infância.
em que lugar fixamos os olhos no deserto?
Era um ano longo como um século ou um século curto como um dia?
Por cima dos móveis pela casa só despojos quebrados: copos retratos livros desfeitos
Éramos sobreviventes duma derrocada dum vulcão de correntes enfurecidas
e despedimo-nos com a vaga sensação de termos sobrevivido mas não sabíamos para quê.
Cristina Peri Rossi
Meshi (1951), Mikio Naruse
a tua ausência é, em cada momento, a tua ausência.
josé luís peixoto
Pergunto-me desde quando
deixou de haver futuro
nas janelas.
Janeiro dói nos olhos
como areia
e tu e eu estamos para sempre
sentados às escuras
no Verão.
Rui Pires Cabral