Arquivo: Setembro 2007

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Hiroshima mon amour

ela diz que é o contrário, que ela não pode esquecê-lo.
que a partir do momento em que não se passa nada entre eles, fica a memória infernal
daquilo que não acontece.

Marguerite Duras

oxigénio

A criança num saco de água quente.
Pouso-a na cama e embrulho-a em lençóis. Quente estarás.

Volto de hora em hora para medir a temperatura. Cansa-me os teus olhos sempre abertos, o balbuciar repetido nos meus ouvidos. Já percebi o que queres e desta vez que seja minha a vontade, afinal que podes tu?

Observo as alterações na tua pele, como se uma vindima inteira vivesse debaixo dela, secam-se os olhos e pareces de porcelana.

Está a anoitecer. É preciso voltar a ferver a água.

nos meus dedos

errámos as contas. o livro
que ficou por escrever
cria raízes cinzentas neste amor.

devolvo-te à lentidão da sombra
aos telhados de outra cidade.

veneza devolve-me a corrente das
águas e encontro-me pousada
sobre os meus dedos.

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(alentejo, 2007)

saberás que para lá do trigo
existe uma criança em fuga.

o verão devolve-te a memória,
junto ao berço a boneca de porcelana.

há uma casa vazia estendida
sobre os anos. já nada se festeja e
existimos ainda.

há palavras que se repetem.
dizemos mar e amor até

esvaziarem. debaixo dos teus pés
estende-se a terra seca e

corpos de peixes de olhos laranja.
temos a lentidão dos répteis ao

longo dos braços. o tempo do
desejo para lá da vontade.