Arquivo: Outubro 2011

fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga.

josé luís peixoto

Ao mesmo tempo que já não te amo não amo mais nada, só a ti, ainda.

Chove em volta da casa e sobre o mar também. O filme vai ficar assim, como está.
Não tenho mais imagens para lhe dar.
Já não sei onde estamos, em que fim de que amor, em que recomeço de que outro amor, em que história nos perdemos.
Sei apenas quanto ao filme.
Apenas quanto ao filme, sei, sei que nenhuma imagem, nem uma só imagem mais poderia prolongá-lo.

Marguerite Duras