Arquivo: Dezembro 2017

hoje, tornou-se muito mais difícil viver do que morrer. olho o que me rodeia e sinto já uma profunda saudade daquilo que vai ser destruído. que palavras resistirão à voragem do tempo? os mutantes das épocas vindouras perceberão o sentido das poucas palavras que foram essenciais ao poeta? por exemplo desejo, lume, terra, ave, corpo… ou outras quaisquer como mesa, óculos, olhar, pernoitar, pressentir… que significará tudo isto daqui a uns séculos? nada. provavelmente menos que nada. e a dor? como será a dor?

al berto | diários

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que se veja à mesa o meu lugar vazio

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que hão-de me lembrar de modo menos nítido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que só uma voz me evoque a sós consigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que não viva já ninguém meu conhecido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem vivo esteja um verso deste livro

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que terei de novo o Nada a sós comigo

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que nem o Natal terá qualquer sentido

Há-de vir um Natal e será o primeiro
em que o Nada retome a cor do Infinito

David Mourão-Ferreira | Cancioneiro de Natal