Começo hoje o meu décimo diário. Há mais de sete anos que escrevo ininterruptamente. 11 Janeiro
Afastei-me da noite e sinto vontade de continuar assim. Dias há, no entanto, em que o corpo exige o vício. 15 Janeiro
É sábado. Noutros tempos acordaria a pensar na noite que teria. Hoje não. 17 Janeiro
Quero que todas elas me esqueçam. 18 Janeiro
Quando entrei no taxi hesitei ao dizer o nome da rua – tinha-o quase esquecido. Quando entrei no bar o sítio parece-me escuro, à uma da manhã estava tão cheio que pensava que fosse sufocar. Sempre foi assim e só agora o vejo claramente. 25 Janeiro
“Nobody loves me, nobody loves me enough, enough to save me.” (Gala) 30 Janeiro
Leio, estudo e durmo – fujo ao mundo real. 1 Fevereiro
O telemóvel deixou de tocar. Daquele mundo só resta a lembrança que um dia passei por lá. Sábado é só mais um dia. 6 Fevereiro
Sinto saudades da descoberta, o fascínio das noites de Agosto, a beleza que eu julgava existir num lugar que mais não é que um bar de engates. Quem me dera nunca ter percebido a realidade. 11 Fevereiro
Choro. Lembro-me de Anais – ” Chorei porque já não podia acreditar e eu adoro acreditar.” 15 Fevereiro
A solidão é terrível. 22 Fevereiro
Amanhhã vou instalar a Internet. Estou ansiosa. 23 Fevereiro
Penso em “B”. Não percebo como aguentei a sua ausência. Creio que foi sempre a esperança que ela viesse “no ano seguinte”. Nunca veio e a dor finalmente acalmou. 23 Fevereiro
Internet. Passo horas no irc [mirc]. É o meio que encontrei de fugir à solidão em que me encontro. 1 Março
Há mais de um mês que não escrevo diário. Conheci “R”. 4 Abril
Não como, não durmo, alimento-me de amor.
“Acreditas em almas gémeas?”, pergunta-me. Agora sim, acredito. Parece que amo pela primeira vez, com uma intensidade que desconhecia, ao ponto de sair a meio da noite só para a abraçar. 18 Abril
Pela internet, encontro “B”. Diz-me que quer voltar. Que vem para ficar comigo. Depois de quase quatro anos digo-lhe “Acabou”. Porque não faz sentido, porque o tempo passou. 18 Abril
Pego no diário para me obrigar a parar. A pensar.
O mundo à volta tornou-se nada. Ela é o mundo, o meu mundo. – “Como posso fugir de ti? Enches o mundo. Só em ti posso fugir de ti.” (Yourcenar) 9 Maio
Deitada numa cama de um quarto de uma pensão do Porto. Sim, foi preciso fugir de tudo.
Tenho duas certezas – uma: há uma vida para ser vivida amanhã; outra: amo “R”. 18 de Maio
Fui expulsa de casa.
A tristeza é inexplicável.
Tenho medo. Da vida sozinha, de trabalhar, de me faltar dinheiro – há dias que como ovos mexidos. Medo que tudo deixe de existir. 16 Junho
A sensação de estar a viver uma vida que procurei mas que não é a minha. 27 Junho
“Ou vivemos juntas como amigas, ou morremos juntas como amantes.”, diz-me “R”. E deixa-me. 17 Julho
Novamente em casa. E uma sensação estranha, de já não saber se é aqui que pertenço. 29 Julho
Fui para a cama com “I”. Diz-me “Estás tão linda”, enquanto eu tenho de me concentrar para não lhe chamar “R”. 30 Julho
Que “R” desapareça da minha vida com a mesma facilidade com que entrou. Odeio-a – por ter-me roubado toda a literatura. 1 Agosto
Os olhos de “R” enchem-se de lágrimas enquanto danço com “V”. 3 Agosto
“Com o tempo, as mãos, as tuas, cairão também no esquecimento. E delas restará apenas uma sensação de ardor sobre a minha pele.” – Al Berto a escrever as palavras exactas. 25 Agosto
A morte é um luxo e, neste momento, não tenho tempo para ornamentos. 28 Agosto
Choro ao entrar na Faculdade de Letras. O sonho sempre tão sonhado, agora real. 24 Setembro
Com “R”, beijos roubados. Mas não é comigo que ela dorme todas as noites. 28 Setembro
“Só vou dizê-lo uma vez, não repito, por isso presta atenção: Eu amo [X] e quero passar o resto da vida com ela, mas eu não consigo deixar de te amar, eu amo-te.” – “R” 18 Outubro
Sem forças para amar. 18 Novembro
“Eu quero-te”, “Eu estou apaixonada por ti”, “”Eu amo-te” – repetem-se estas frases à minha volta. Parecem-me já frases feitas, sem qualquer sentido. Que me esqueçam. 7 Dezembro
Uma noite com “R”. Percebo que já não me lembrava que era tão embriagante tocá-la. 9 Dezembro
Queimar este diário. Comprar um de folhas em branco. 15 Dezembro