Permaneço deitado, ignoro o dia, não me mexo, recuso-me a pensar. Durmo como se nunca mais acordasse, e ao acordar já é novamente noite. Como abundantemente, fumo muitos cigarros e bebo pelo menos meio litro de café.
Mas, apesar de tudo, e com a prática de muitas ressacas, nem sempre consigo evitar a dor provocada por essa mesma ressaca- a ressaca mental.
Sempre bebi em quantidade, violentamente, para perder a noção de mundo, e do mundo. Nunca bebi por paixão, nem por desgosto de amor, não, nunca bebi dramaticamente. E no dia seguinte a ter bebido muito, é como se os sentidos e a memória tivessem sido passados a esfregona e lixívia.
E dos sentidos surgem então sensações estranhas. Por exemplo, um órgão qualquer desata a arder, ou perco a visão- cego por instantes, e sou obrigado a tactear-me para me certificar de que existo.
Nada disto é agradável ou desagradável, é um outro estado de singular lucidez que pode prolongar-se horas a fio, entre uma espécie de escuridão primordial e a fulguração dum tempo ainda por vir, ou já eterno.
Fico assim, perdido no fundo de mim mesmo, sem nome, sem olhar para o que me rodeia, sem corpo que me transporte, sem pensamentos.
Quanto à memória, é terrível. Umas vezes vai buscar imagens distantes de acontecimentos que, em geral, ainda virão a suceder. Outras, pura e simplesmente não há memória de nada. Um pouco como se eu começasse a ser a cada fracção de segundo, e levo um tempo infinito, desumano, para erguer de novo, peça a peça, o que sou.
A embriaguez é um momento de vida incendiada, ou suspensa, e a ressaca um tempo de lenta e demorada reconciliação com o mundo, e comigo mesmo.
Mas, um dia, tenho a certeza, não terei forças para me reconciliar com o mundo, nem vontade de regressar de onde estiver. Continuarei a beber ininterruptamente e não haverá mais ressaca, nem dor.
Seduz-me a ideia de vir a morar num corpo que já não sente, etílico talvez, transparente, e com uma leveza de cinzas.
al berto