Arquivo: Abril 2011

mais nada se move em cima do papel
nenhum olho de tinta iridescente pressagia
o destino deste corpo

os dedos cintilam no húmus da terra
e eu
indiferente à sonolência da língua
ouço o eco do amor há muito soterrado

encosto a cabeça na luz e tudo esqueço
no interior desta ânfora alucinada

desço com a lentidão ruiva das feras
ao nervo onde a boca procura o sul
e os lugares dantes povoados
ah meu amigo
demoraste tanto a voltar dessa viagem

o mar subiu ao degrau das manhãs idosas
inundou o corpo quebrado pela serena desilusão

assim me habituei a morrer sem ti
com uma esferográfica cravada no coração.

 

al berto

Assim tudo o que existe, simplesmente existe.
O resto é uma espécie de sono que temos,
Uma velhice que nos acompanha desde a infância da doença.

Alberto Caeiro

Uma das coisas que aprendi é que se deve viver apesar de. Apesar de, se deve comer. Apesar de, se deve amar. Apesar de, se deve morrer. Inclusive muitas vezes é o próprio apesar de que nos empurra para a frente.

Clarice Lispector | Uma Aprendizagem ou o Livro dos Prazeres

trezentos e sessenta e cinco dias
a loucura a rasgar-nos o corpo.

quando estás, os dias são inteiros
e há janelas por onde a luz entra.

a inesperada exuberância do desejo.

Porque pertenço à raça daqueles que mergulham de olhos abertos
E conhecem o abismo pedra a pedra, anémona a anémona, flor a flor.

Sophia de Mello Breyner Andresen