Arquivo: 2013

é preciso encontrar o fim dentro do fim.
perceber que a última palavra a dizer-te, já foi dita. não prolongar.
a última noite de amor repetiu-se ao longo dos anos. até que cada última noite de amor era na verdade a primeira noite de amor.

não prolongar. aceitar que a última vez aconteceu numa qualquer dessas noites.

nenhuma palavra será a última. ficará sempre qualquer coisa por dizer quando tudo já tiver sido dito.

a memória da pele irá arder por muito tempo. não prolongar.

Julho 2013

um ano sem ti, rogério

dizem que o coração pesa cerca de 300 gramas.

não sei quanto pesava o teu. nunca falámos disto – quanto pesa um coração. sabemos bem quanto te pesava o coração. mas não era em gramas que o medíamos. e hoje sei que te abriram numa mesa, que te tiraram o coração, que o colocaram numa balança. órgão a órgão, tiraram-te tudo para pesar.
e o peso da tua vida onde está medido? e o peso da dor que a tua morte deixou, onde está medido?

sobre a cama, o corpo estendido. os pulmões preparam-se pela última vez. talvez tenhas visto o tejo a irradiar azul, como imaginaste. depois nada. ficaram os poemas inacabados, ficou o livro que não acabaste de ler pousado na cabeceira. chegam os paramédicos, chega a polícia. tu continuas ali, o sangue deixou de correr e obedece agora às leis da gravidade. preenche-se relatórios e tu continuas ali, arrefeces. e para nós que ficámos cá o frio prolonga-se e é inverno em pleno agosto.

a noticia da tua morte chega-me todos os dias. ecoa pela cidade, por todo o lado, por todo o lado.

existe o medo dos dias que se arrastam. as noites brancas, muito mais brancas que antes. as manhãs sós, a tua casa vazia.

envelhecerei sem ti, com os olhos ainda sobre o tejo e a embriaguez terrível de continuar viva.