Arquivo: 2007

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(alentejo, 2007)

saberás que para lá do trigo
existe uma criança em fuga.

o verão devolve-te a memória,
junto ao berço a boneca de porcelana.

há uma casa vazia estendida
sobre os anos. já nada se festeja e
existimos ainda.

há palavras que se repetem.
dizemos mar e amor até

esvaziarem. debaixo dos teus pés
estende-se a terra seca e

corpos de peixes de olhos laranja.
temos a lentidão dos répteis ao

longo dos braços. o tempo do
desejo para lá da vontade.

as imagens que me perseguem

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as escolas. as batas pretas. os olhares. este olhar.

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dás-me um leke para eu comprar um gelado? e eles davam sempre.

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era exactamente assim. os sorrisos apareciam sempre. os lenços vermelhos. guardo o meu na gaveta do quarto.

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aos seis anos estudava-se violino. a minha altura preferida era depois das aulas, quando levava o violino para casa e podia tocar longe dos olhares da professora.

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repetia-se o cenário todas as semanas. saía-se à rua. as bicicletas e nós. “shatrivani” é o nome das fontes luminosas. sente-se a água no nome.

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perto do fim. procurar em todos os rostos alguém conhecido.

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em casa. os campos de trigo estendidos até às montanhas Dajti.

todas as fotos tiradas de www.reportages-pictures.com, excepto a última.

ofício de amar

já não necessito de ti
tenho a companhia nocturna dos animais e a peste
tenho o grão doente das cidades erguidas no princípio doutras galáxias, e o remorso

um dia pressenti a música estelar das pedras, abandonei-me ao silêncio
é lentíssimo este amor progredindo com o bater do coração
não, não preciso mais de mim
possuo a doença dos espaços incomensuráveis
e os secretos poços dos nómadas

ascendendo ao conhecimento pleno do meu deserto
deixei de estar disponível, perdoa-me
se cultivo regularmente a saudade de meu próprio corpo

al berto

No tempo em que festejavam o dia dos meus anos,
Eu era feliz e ninguém estava morto.

(…)

Hoje já não faço anos.
Duro.
Somam-se-me dias.
Serei velho quando o for.
Mais nada.
Raiva de não ter trazido o passado roubado na algibeira!

Álvaro de Campos

Lover, you should've come over

Looking out the door i see the rain fall upon the funeral mourners
Parading in a wake of sad relations as their shoes fill up with water
And maybe i’m too young to keep good love from going wrong
But tonight you’re on my mind so you never know

When i’m broken down and hungry for your love with no way to feed it
Where are you tonight, child you know how much i need it
Too young to hold on and too old to just break free and run

Sometimes a man gets carried away, when he feels like he should be having his fun
And much too blind to see the damage he’s done
Sometimes a man must awake to find that really, he has no-one

So i’ll wait for you… and i’ll burn
Will I ever see your sweet return
Oh will I ever learn

Oh lover, you should’ve come over
‘Cause it’s not too late

Lonely is the room, the bed is made, the open window lets the rain in
Burning in the corner is the only one who dreams he had you with him
My body turns and yearns for a sleep that will never come

It’s never over, my kingdom for a kiss upon her shoulder
It’s never over, all my riches for her smiles when i slept so soft against her
It’s never over, all my blood for the sweetness of her laughter
It’s never over, she’s the tear that hangs inside my soul forever

Well maybe i’m just too young
To keep good love from going wrong

Oh… lover, you should’ve come over
‘Cause it’s not too late

Well I feel too young to hold on
And i’m much too old to break free and run
Too deaf, dumb, and blind to see the damage i’ve done
Sweet lover, you should’ve come over
Oh, love well i’m waiting for you

Lover, you should’ve come over
‘Cause it’s not too late

Jeff Buckley

Nunca consegui misturar-me nos outros corpos, estão demasiado vivos, doem-me quando lhes toco. Observo-os, uso-os, e no entanto mantêm-se tão distantes. Se calhar envelheci mais depressa ao tocá-los. A dor vai sulcando o rosto e comprimindo o coração, não sei… talvez seja apenas o receio da noite com os seus desmedidos poços de cinza. (…) No fundo estou-me nas tintas para isto tudo. Tornei-me ladrão. Roubo-lhes um beijo, uma erecção, um gemido de esperma, uma carícia… roubou-lhes tudo o que posso e estou-me nas tintas… é isso mesmo, estou-me nas tintas para o que pensam. Nada tenho a perder, a sedução é uma das artes do ladrão, raramente me deixo roubar. Mas que te importa tudo isto, Beno? Sossega, sossega porque o mundo está sujo de indiferença.

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