almoço sozinho. chove, é preciso cultivar a solidão. nada me dói e ninguém bateu à porta. não há riso no dia a dia, e isto nada tem de angustiante ou literário.
encosto a cara às vidraças da imensa janela, surge a visão de uma ilha. são muitas horas com a cara encostada aos vidos, olhando o mar, olhando-o até que desapareça.
a noite desce e esconde a paisagem em soluços de sombra. e esconde-me de meus próprios pensamentos. um escuro tão espesso que ao passar uma mão pela outra não as sinto.
é no instante fulgurante em que já não possuo corpo, nem sentimentos, nem desejo algum, que surje a escrita: essa mentira.
escrever é um modo falsamente inofensivo de nos suicidarmos. um dia esquece-se tudo, escrevemo-nos. no fundo, sou um homem sentado, a escrever, num recanto inacessível do meu próprio corpo.
Al Berto