Mortes Encenadas

mortesencendas.jpg

Tenho sete anos. Levanto-me e vou até à cozinha. Não posso fazer barulho porque estão todos a dormir. Abro a gaveta. Escolho a maior faca que encontro. Já vi isto acontecer num filme.

Ontem festejei o meu décimo aniversário. Ofereceram-me uma boneca igual a um bebé. Amarrei-lhe uma corda ao pescoço e fechei-lhe os olhos. Agora estou muito feliz.

Escrevo o nome de dezenas de medicamentos numa folha. Calculo o tempo aproximado que levarão a fazer efeito. Coloco os frascos por ordem e engulo os comprimidos, assim, primeiro um de cada vez, depois muitos, sempre mais, até quase me engasgar.

Tenho vinte e cinco anos. Anunciam a morte da escritora. A cabeça dentro do forno. Saio do meu quarto. Pego em fósforos.

Vou ao cinema o mais que posso. As imagens ajudam-me. Fico fascinada com a facilidade com que o fazem. Que raiva.

Tenho trinta e dois anos. Passo horas à secretária a imaginar como o farei. O corpo estremece-me de prazer. Só o excesso me convém.

Visto o meu melhor vestido. Saio para a rua. Estou parada no semáforo. Eles passam tão depressa. Vejo um vermelho. Condiz exactamente comigo. Dou dois passos em frente. Tenho quarenta anos.

1996

(como é que passaram 10 anos?)

One thought on “Mortes Encenadas

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *

*

You may use these HTML tags and attributes: <a href="" title=""> <abbr title=""> <acronym title=""> <b> <blockquote cite=""> <cite> <code> <del datetime=""> <em> <i> <q cite=""> <strike> <strong>